Atividade de interpretação sobre conto de Drummond

Esta é uma atividade bastante interessante que usei nas turmas de Ensino Médio para falar sobre as características do gênero textual Conto. Através dela podemos verificar se os alunos entenderam bem as características desse gênero narrativo tão comum em nossos dias e tão presente nas atividades escolares. Ao final da atividade, você poderá ver o gabarito com sugestões de respostas. Esta é , também, uma atividade que coloquei na área de membros do meu curso de Português. Ela está dentro do módulo gratuito. caso queira se cadastrar e acessar tudo que publiquei neste módulo grátis, clique aqui.

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O Conto – O instantâneo revelador…

Texto para os exercícios de 1 a 6

Caso de secretária

Foi trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara, não fizera a mínima alusão à data. As crianças também tinham se esquecido. Então era assim que a família o tratava? Ele que vivia para os seus, que se arrebentava de trabalhar, não merecer um beijo, uma palavra ao menos!
Mas, no escritório, havia flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária, que poderia muito bem ter ignorado o aniversário, e entretanto o lembrara. Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e eficiente, pé-de-boi da firma, como até então a considerara; era um coração amigo.
Passada a surpresa, sentiu-se ainda mais borocoxô: o carinho da secretária não curava, abria mais a ferida. Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver.
Durante o dia, a secretária redobrou de atenções. Parecia querer consolá-lo, como se medisse toda a sua solidão moral, o seu abandono. Sorria, tinha palavras amáveis, e o ditado da correspondência foi entremeado de suaves brincadeiras da parte dela.
“O senhor vai comemorar em casa ou numa boate?”
Engasgado, confessou-lhe que em parte nenhuma. Fazer anos é uma droga, ninguém gostava dele neste mundo, iria rodar por aí à noite, solitário, como o lobo da estepe.
“Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos”, insinuou ela, discretamente.
E não é que podiam mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida – o pessoal lá em casa pouco está me ligando -, teria horas amenas, em companhia de uma mulher que – reparava agora – ere bem bonita.
Daí por diante o trabalho foi nervoso, nunca mais que se fechava o escritório. Teve vontade de mandar todos embora, para que todos comemorassem o seu aniversário, ele principalmente. Conteve-se no prazer ansioso da espera.
– Onde você prefere ir? – perguntou, ao saírem.
– Se não se importa, vamos passar primeiro no meu apartamento. Preciso trocar de roupa.
Ótimo, pensou ele; faz-se a inspeção prévia do terreno e, quem sabe?
– Mas antes quero um drinque, para animar – ela retificou. Foram ao drinque, ele recuperou não só a alegria de viver e de
fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando. Saiu bem mais jovem do bar, e pegou-lhe do braço.
No apartamento, ela apontou-lhe o banheiro e disse-lhe que o usasse sem cerimônia. Dentro de quinze minutos ele poderia entrar no quarto, não precisava bater – e o sorriso dela, dizendo isto, era uma promessa de felicidade.
Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto. Lá dentro, sua mulher e seus filhos, em coro com a secretária, esperavam-no atacando “Parabéns para você”.

Carlos Drummond de Andrade. Poesia e Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1988.


1.    Considerando as diferenças que existem entre o conto e a crônica, responda:

a)  A qual classificação lhe parece corresponder o texto lido? Justifique.

b)  Que característica fundamental existente no texto é comum tanto ao conto quanto à crônica?

2.    Transcreva o trecho do texto em que reside o seu clímax, explicando a resposta escolhida.

3.    Considerando o enredo da narrativa, responda:

a)  Que história o leitor imagina que será contada?

b)  Que história, de fato, é contada?

c)  Que elemento do enredo permite perceber a diferença entre o que se diz em a e b, tornando interessante e envolvente a leitura do texto?

4.    O título do texto sugere alguns sentidos. Quais?

5.    Sabemos que a principal matéria-prima do texto narrativo é o fato, o acontecimento, razão pela qual nele predominam os verbos de ação, os quais se combinam com elementos descritivos. A partir de tais informações, aponte pelo menos uma frase narrativa e uma frase descritiva nos dois parágrafos iniciais da história.

6.    No trecho – “Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver” -, que tipo de discurso predomina? Por quê?

Gabarito dos exercícios

1. a) O texto lido parece ser uma crônica, já que nele predomina a leveza, ou seja, o descomprometimento com intenções que transcendam os fatos narrados.

b) O fato de se tratar de uma narrativa curta.

Assine nosso curso2. Trata-se de parte do último parágrafo: “Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda, abriu a porta do quarto”.
Este trecho pode ser considerado o clímax do texto, na medida em que nele chega ao auge a expectativa do protagonista (e do leitor) de que haja uma aventura entre ele (o protagonista) e a secretária.

3. a) A história de um adultério de um chefe de família com sua secretária.

b) A história da surpresa que uma família faz a seu chefe, no dia de seu aniversário.

c) Trata-se de seu desfecho inesperado.

4. Primeiro: “caso” se refere a um episódio corriqueiro, cotidiano, narrado por uma “secretária” (agente da ação central do texto); segundo: um caso (amoroso) vivido por uma secretária (com o seu chefe).

5. 1º parágrafo:

Frase narrativa: “Foi trombudo para o escritório”.

Frase descritiva: “Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara…”;

2º parágrafo:

Frase narrativa: “Mas, no escritório, havia flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária…”.

Frase descritiva: “Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e eficiente, pé-de-boi da firma, como até então a considerara; era um coração amigo”.

6. O tipo de discurso predominante no referido trecho é o indireto livre, pois nele há um obscurecimento de fronteiras entre a voz do narrador e a do protagonista.