A Linguagem como atividade socioeducativa

Para explicar os segredos do sucesso no mundo empresarial, o que um jornalista deveria produzir?

Dificilmente, você pensará em um verbete de enciclopédia, um poema, uma letra de canção, um rótulo de produto alimentício, um cardápio, um conto,’uma fábula ou uma HQ. E por quê?

Espera-se que um jornalista, em razão da função que desempenha, escreva artigos de opinião, editoriais, notícias, que faça entrevistas, análises econômicas, políticas, esportivas, dependendo do segmento em que atua, pois esses são os gêneros mais comuns à esfera jornalística.

Na verdade, certas profissões, situações e organizações sociais podem estar associadas a um número limitado de tipos de textos. O uso ordenado desses textos constitui, em parte, a própria atividade e organização dos grupos sociais.

Assim, as pessoas vão criar novas realidades de significação, relações e conhecimento, fazendo uso de certos textos.


Pense agora na sua escola, onde circulam alunos e professores. Em um conselho de classe, os docentes, os coordenadores e o diretor decidem os critérios relacionados ao sistema de avaliação. Esses critérios são registrados em ata. Após essa decisão conjunta, cada . educador, em sua disciplina, deverá avaliar seus alunos utilizando pelo menos quatro instrumentos diferentes, como, por exemplo: um teste escrito de múltipla escolha, uma prova dissertativa, um seminário, um conjunto de exercícios práticos, um estudo de caso, um relatório de leitura, uma apresentação oral em feira escolar, um ensaio, um relatório de experiência, entre outros. Assim, os professores receberão um memorando, e os estudantes, um documento de orientação para que, no decorrer do bimestre, possam produzir os quatro tipos de textos escolhidos para compor a nota bimestral. Os resultados obtidos serão registrados em boletins expedidos aos pais. Ao término de um nível, se todas as exigências forem cumpridas, os alunos receberão seus certificados.

Toda essa sequência de eventos gera muitos textos, que só foram produzidos porque ocorreram fatos sociais. Em geral, esses registros não poderiam existir se as pessoas não os realizassem por meio da criação textual: ata, memorando, teste, seminário, estudo de caso, relatório de leitura, boletins, certificados e assim por diante. Nesse ciclo de textos e atividades são constituídos sistemas organizacionais bem articulados nos quais tipos específicos de textos circulam por caminhos previsíveis, com consequências já conhecidas e, de certo modo, de fácil compreensão.

Entenda isso:

  • Cada texto encontra-se encaixado em atividades sociais estruturadas e depende de textos anteriores que influenciaram a atividade e a organização social.
  • Cada texto estabelece condições que, de alguma forma, são consideradas pelas atividades subsequentes e pelos produtores de novos textos.
  • Os textos da esfera escolar, no exemplo citado, criam realidades e fatos, pois os alunos e os professores vivem de modo interativo, em um modo de vida organizado, confirmado por suas ações.
  • Cada texto bem-sucedido cria para seus leitores um fato social que consiste em ação social significativa, realizada por meio de uma forma textual padronizada, típica, compreensível em sua totalidade, por sua função e propósito. Daí a noção de gênero textual.

Por que, então, estudar gêneros?

É preciso compreender cada gênero e seu funcionamento dentro dos sistemas e nas circunstâncias para as quais são produzidos. Tal compreensão ajudará o leitor e produtor de novos textos a satisfazer as necessidades da situação a que for exposto, esforçando-se para que sejam compreensíveis e correspondam às expectativas dos outros. O leitor também perceberá que determinados textos, até certo ponto bem escritos, são redundantes, incompletos, não funcionam. Compreenderá que mesmo bem escritos, alguns textos podem ser enganosos, não oficiais, com uma fina ironia inconveniente ou uma inovação fora de lugar.

Então, terá que decidir se realizará uma intervenção do tipo denúncia, do tipo exclusão, justificativa ou se apenas uma modificação, com indicação de quem a fez, é o suficiente.

Exemplificando: em casa, entre amigos, vocês tanto poderão selecionar um canal de TV quanto acessar a internet e localizar um site comercial, abrir o perfil de alguma rede social, procurar um livro na estante, folhear uma revista, etc. Os diferentes textos introduzidos nessas ações geram diversas atividades, padrões interativos, novas atitudes e relações. A escolha por um ou outro influenciará se irão comentar uma notícia, consultar o preço de um produto, conferir o endereço e o horário de funcionamento de alguma lanchonete, conversar, contar uma piada, sugerir a leitura de um livro interessante. Novas atividades de interação são continuamente proporcionadas até que uma outra seja introduzida ou o encontro de amigos seja encerrado.