A redação subjetiva: os temas subjetivos

Existem algumas abordagens na elaboração da redação, bem como existem alguns temas específicos, especiais na feitura, que nos levam a observar um direcionamento não apenas argumentativo nos textos produzidos. Mais do que um simples conjunto de dados, ali encontramos um conjunto mais abrangente: a discussão reflexiva, de caráter subjetivo, um tom que revela, antes, um modo de estar no mundo, uma maneira de encarar os fatos e a existência. Leia o  trecho abaixo. É um fragmento de música do Edu Lobo e Chico Buarque:

Mesmo que você feche os ouvidos
E as janelas do vestido
Minha musa vai cair em tentação
Mesmo porque estou falando grego
Com sua imaginação
Mesmo que você fuja de mim
Por labirintos e alçapões
Saiba que os poetas como os cegos
Podem ver na escuridão

Edu Lobo e Chico Buarque, Choro Bandido

No fragmento, a abordagem do tema é “diferente”, metafórica. Ali, fala-se das “janelas do vestido”, “falar grego com sua imaginação”, fugir “por labirintos e alçapões”… linguagem que nos seduz porque se distancia da realidade de dados e cifras e repetições de fatos.

Por esse caminho vai nossa redação subjetiva: podemos até escrever sobre fatos muito novos ou sociais como, por exemplo, o terror e as guerras.
Observe o texto abaixo: é uma redação nota 10 da Fuvest, cujo tema era este.

Texto I:


Texto nota 10, Fuvest – Redação

“Um dia sim, outro também. Duas bombas, suásticas nazistas e muitas mensagens pregando a tolerância zero a negros, judeus, homossexuais e nordestinos marcaram a Semana da Pátria em São Paulo. O primeiro petardo foi direcionado na segunda-feira 4, para o coordenador da Anistia Internacional. Tratava-se de uma bomba caseira, postada numa agência dos Correios de Pinheiros com endereço certo: a casa do coordenador. Uma hora e meia depois, foi a vez de o secretário de Segurança e de os presidentes das comissões Municipal e Estadual de Direitos Humanos receberem cartas ameaçadoras. Assinando “Nós os skinheads “(cabeça raspada), os autores abusaram da linguagem chula, do ódio e da intolerância. “Vamos destruir todos os viados, pretos e nordestinos “, prometeram. Eles asseguravam também já terem escolhido os representantes daqueles que não se enquadram no que chamam de “raça pura” para receberem “alguns presentinhos “. Como prometeram, era só o começo. No dia seguinte, terça-feira 5, o mesmo grupo mandou outra bomba, dessa vez para a associação da Parada do Orgulho Gay “.

Isto é, 08/09/2000

Desde então [os anos 80], o poder racista alastrou-se por todo o mundo numa torrente de excessos sanguinolentos. Também na Alemanha, imigrantes e refugiados foram mortos friamente por maltas de radicais de direita em atentados incendiários. Até hoje, a esfera pública minimiza tais crimes como obra de uns poucos jovens desclassificados. Na verdade, porém, o poder racista à solta nas ruas é o prenúncio de uma reviravolta nas condições atmosféricas mundiais.

Robert Kuiz

Um dos eventos realizados no final de abril deste ano no Chile foi uma conferência internacional secreta de militantes extremistas de direita e organizações neonazistas planejada e divulgada pela Internet. Foram convidados a participar do “Primeiro Encontro Ideológico Internacional de Nacionalismo e Socialismo ” representantes do Brasil, Uruguai, Argentina, Venezuela e Estados Unidos.

Isto é, 08/09/2000

(…) Nos últimos anos, grupos neonazistas têm se multiplicado. Tanto nos Estados Unidos e na Europa quanto aqui parece existir uma relação entre o desemprego estrutural do sistema capitalista e a ascensão desses grupos de inspiração neonazista.

Página da Internet

Toda proclamação contra o fascismo que se abstenha de tocar nas relações sociais de que ele resulta como uma necessidade natural, é desprovida de sinceridade.

Bertolt Brecht

Considerar alguém como culpado, porque pertence a uma coletividade à qual ele não “escolheu “pertencer, não é característica própria só do racismo. Todo nacionalismo mais intenso, e até mesmo qualquer bairrismo, consideram sempre os outros (certos outros) como culpados por serem o que são, por pertencerem a uma coletividade à qual não escolheram pertencer. (…)

Cornelius Castoriadis

“A violência é base da educação de cada um “

Resposta de um cidadão anónimo entrevistado pela TV sobre razões da violência

Estes textos (adaptados das fontes citadas) apresentam notícias sobre o crescimento do neonazismo e do neofascismo e, também, alguns pontos de vista sobre o sentido desse fenômeno. Com base nesses textos e em outras informações e reflexões, um aluno escreveu este texto que coloco abaixo. ele foi considerado como um texto nota 10 na Fuvest.

Texto nota 10, Fuvest

Diferença – antídoto do extremismo

“Não bastasse todo espetáculo de carnificina encerrado no palco do século XX nos seus Atos de Iª e 2ª Guerras mundiais, do Holocausto dos Judeus, do “Apartheid” na África do Sul, da perseguição dos curdos no Oriente e de outros sem-número de odes à estupidez e ignorância humanas, adentramos em um novo século e novo milênio prontos para a readaptação de tais peças horrendas, dignas do Teatro Romano apresentado no Coliseu.
Mais uma vez na História recente, parecemos alunos que teimam em não querer aprender a lição cuja não compreensão já nos causou tanto sofrimento e infortúnio.
O renascimento sombrio das ideologias neonazistas de Adolf Hitler, de seu putrefato conceito de “raça-pura”, nacionalismo exacerbado vêm-nos mostrar que as revoluções teóricas e científicas e as irresistíveis ondas de modernidade globalizante não são suficientes para produzirmos um alicerçado conceito de solidariedade suprarracial e internacional. Não, não antes de uma Revolução das Mentes, na nossa forma particular de encararmos as diferenças do outro.
Neste cenário, de nada nos ajuda o apelo à “tolerância “, conforme as palavras de José Saramago, pois ela expressa mais uma ideia de superioridade, de aceitação do próximo apesar de suas diferenças. Nem tolerância, nem intolerância. Apenas o reconhecimento simples e natural de que a diferença sempre estará lá, assim como as necessidades biológicas de respirar, comer, beber água…
O verdadeiro antídoto para o extremismo baseia-se num olhar mais crítico sobre nós mesmos, no despojamento de nossas mais íntimas pretensões de um “Destino Manifesto ” para nós e a compreensão que a diferença é que realmente faz a diferença “.

Observe a diferença da abordagem num texto convencional, que discuta a questão do ponto de vista apenas prático. O enfoque tece considerações sobre a existência do homem, classificado como “aluno que não quer aprender a lição”. Cita, o texto, José Saramago e direciona-se integralmente para uma visão mais reflexiva do assunto.

Quanto vale uma abordagem dessa forma?

Mais ou menos que um texto convencional?

Claro que ambos valem a mesma coisa, se bem escritos. Ocorre que um texto filosófico, especulativo, chama muito mais a atenção do corretor porque sai do que é praticidade e acaba dando chance de aparecer um outro dado sobre quem está sendo julgado (no caso, você): o que se pensa como ser, o que se conclui como humano, o que se pretende e se julga sobre os fatos e a realidade da existência.

E você? Tem dificuldade com algum tipo de tema?

Fale aí nos comentários qual é o assunto ou forma de texto mais difícil para você.