As diferenças entre fala e escrita
Sabemos que o meio de expressão de todas as línguas humanas é o som produzido pelo aparelho fonador.
Mas a maior parte delas, no entanto, possui um segundo meio de expressão: a escrita.
Sua origem é o Oriente Médio, há cerca de 5 mil anos, e, como meio, ligou-se desde o início à prática dos desenhos; apesar disso, há inúmeras línguas no mundo que não dispuseram e nem dispõem de registros com caracteres impressos e significativos.
A necessidade da escrita parece ligar-se ao grau de complexidade das culturas humanas.
E, em algumas culturas fundamentalmente fechadas, onde é possível preservar o conhecimento do grupo transmitindo-se oralmente, de geração para geração, toda a substância essencial da memória, não há necessidade da escrita.
No entanto em nossa cultura, heterogênea e aberta, registrar por escrito os fatos é valor fundamental para preservação futura.
Apesar de haver correlações entre fala e escrita, o ato de escrever é muito diferente do ato de falar.
E a grande diferença reside essencialmente no fato de o interlocutor estar presente na hora da fala e ausente no momento em que escrevemos.
Como localizar para quem escrevemos?
Quem nos lerá?
De que modo seremos interpretados e… será mesmo que nossa mensagem pôde ser decodificada?
Quando falamos, qualquer problema na interpretação ou compreensão pode ser imediatamente retomado e solucionado através de uma interrupção de quem nos ouça; além do que, quando conversamos ou somos ouvidos, outros componentes da “fala” formam um ambiente propício: gestos, expressões faciais, tons de voz que completam, modificam, reforçam o que dizemos.
Mas, no momento de escrever, falta-nos tudo isso.
No vestibular, por exemplo, assim que entregamos nossa redação, ela estará longe de nós e já não poderemos complementar ideias truncadas (ah, professor, aí nesse lugar eu quis dizer isso…), nem introduzir nossos gestos, nosso tom de voz, enfim, nossas famosas “caras e bocas” de quando falamos, falamos, falamos…
Um diálogo a distância…
Quando nosso texto nos escapa das mãos, ele vai sozinho e nos representará.
É, também, uma espécie de diálogo a distância, leva, de qualquer forma, a nossa mensagem, a maneira como enxergamos o mundo, os outros e os fatos.
Por isso, é sempre bom lembrar, quando escrevemos, que ao colocar ideias no papel temos que nos colocar também no lugar do outro, o nosso leitor.
Somos claros?
Temos dificuldades em nos expressar? Nossos argumentos são frágeis?
O leitor não deverá ter dificuldades em nos compreender e, caso tenha, a comunicação ficará truncada’, com consequências trágicas para nós.
→ Veja aqui um caminho mais curto para aprender a fazer redação
Planejar o texto, eis a questão
A fim de expressar-se claramente na escrita, acostume-se a planejar o texto (esquematizar o que pretende escrever) e reescrevê-lo até que as ideias estejam perfeitamente claras, compreensíveis. Pergunte a si mesmo, colocando-se no lugar do leitor, se o texto está claro e se traduz seu pensamento.
Tenha paciência com você: um bom texto não vem ao mundo de uma hora para outra…
Outra coisa: escrever não é meramente transpor a fala para o papel. Observe:
Texto I (falado)
“Ela tava ali, lindinha e nos conformes, cara… Fiquei olhando, imaginando um jeito de dizer, bem, você sabe, né? De dizer aqueles negócios que fico pensando sem ela. Era hora, agora, vou lá, dou uma chavecada nela, buzino umas no ouvidinho dela, tá na minha… Bom, tava faltando coragem, puxa, foi me dando um frio, uma coisa, um estado… Virei as costas, meu irmão, e me mandei…”
Texto II (escrito)
“Digo a você que ela estava lá, diante dos meus olhos. Perfeita. Olhei-a imaginando um jeito de dizer o quanto era importante para mim, dizer o que pensava dela quando estava a sós comigo mesmo. Pensei ser a hora certa, conversar. Mas me faltou coragem. Fugi.”
Como você pode observar, há características peculiares de um texto escrito.
Ele deve se apresentar como um todo semântico, com as partes bem amarradas, desprovido das marcas de oralidade tais como repetições, pausas, inserções, expressões vulgares ou continuativas.
A língua escrita parece pertencer a um outro universo, embora consigamos registrá-la facilmente.
Há concordâncias, regras; além do que uma outra exigência da escrita é sua apresentação formal: os parágrafos devem começar a uma distância certa da margem e com letra maiúscula; as palavras devem ser separadas umas das outras por espaços em branco; as orações devem ser pontuadas; as palavras necessitam de ortografia oficial.
No entanto, deve ficar bem claro que tais exigências não constituem a qualidade principal de um texto escrito: saber grafar corretamente as palavras ou acentuar seguindo as regras não quer dizer que se escreva bem porque saber escrever é, antes de tudo, saber transpor com clareza e eficiência as ideias para o papel. É assim que se constrói um bom texto.
Dessa forma, tenha em mente:
1) Escrevemos para dar um testemunho de nossa existência e… eficiência, não apenas para tirar uma nota, passar num vestibular;
2) É preciso que leiamos o que escrevemos com o olho do outro, ou seja, autocrítica é fundamental;
3) Precisamos nos familiarizar com a escrita, e devagar colocarmos nossos pensamentos na forma desejada.
De dentro para fora…
Mas… de nada adiantará a você saber bem regras de ortografia, pontuação, acentuação, concordância verbal e nominal, se não tiver aquilo que pode chamar de “estofo”, ou seja, sua redação só será boa caso se disponha a cuidar, antes de realizá-la, de seu intelecto.
Não se escreve sobre aquilo que não se sabe.
Portanto, disponha-se a ler jornais, revistas, livros, a observar o mundo e a verificar que verdades costumam ter dois lados.
Reconheça de que lado está.
Afinal, você já ouviu dizer que “Quem quer conhecer o gato deve levar em consideração também o ponto de vista do rato.”
Leia bastante, discuta sobre o que leu, debata suas ideias, construa seu universo intelectual.
Cresça, enfim, de dentro para fora. Invista em você, em sua criatividade, em sua capacidade de estar atento.
Escrever é decorrência do ato de pensar.
Então, leia de tudo um pouco: filosofia, religião, política, bula de remédio, receita de bolo, história em quadrinhos, editoriais de jornais, notícias de assassinatos, out-doors, poemas, romances, resumo da sessão da tarde.
Dessa forma, estará construindo seu lado de dentro, um universo muito mais rico, e buscando construir um discurso próprio, particular, marca de sua própria individualidade.
Afinal, só escrevemos bem quando sabemos bem sobre o que vamos escrever.