Enem – oralidade e escrita
Uma das questões mais importantes na prova de linguagens do Enem é que o estudante reconheça os diferentes níveis da linguagem e saiba transitar entre elas e também entre os gêneros textuais que podem ser alvo da prova seja na coletânea da redação ou mesmo nas questões das disciplinas que não são dessa área de conhecimento. No artigo de hoje veremos algumas questões relacionadas à oralidade e à escrita. São exercícios dissertativos, diferentes dos que são apresentados na prova do Enem ou na primeira fase de alguns vestibulares, mas não conheço nenhum aluno que saiba fazer um exercício dissertativo e que se enrole na prova objetiva. Fica a dica ainda para quem deseja fazer mais exercícios como este. Clique no link a seguir e veja mais seis exercícios sobre o mesmo tema. {clique aqui}
Exercícios: Oralidade e escrita
1. O texto a seguir mostra como uma criança de aproximadamente 10 anos, ao produzir textos escritos, ora se utiliza de recursos da modalidade escrita, ora de recursos sintáti-cos e de articulação dos enunciados que são típicos da oralidade. Identifique e transcreva esses recursos.
O urso que sabia voar
Era uma vez um urso selvagem e livre, mas que invejava os pássaros porque sabiam voar. Só que um dia um circo carioca pegou o urso para fazer um show no Rio de Janeiro, mas ele continuava com aquele velho sonho. Um dia ele fugiu do circo, e saiu andando pela cidade, todos que o viam quase morriam de susto. Até que ele olhou pro céu e viu um monte de homens com asa delta e chegou à seguinte conclusão: os homens também voam e ficou fascinado com aquilo, mas continuou a andar até que chegou no alto do pão de açúcar lá tinha vários homens saltando de asa delta mas quando ele chegou perto de um homem o homem saltou sem asa delta (só de medo) aí o urso pegou a asa delta e saltou por aí, muito feliz.
Maria Lucia A. Gnerre
» O texto a seguir refere-se às questões de 2 a 4.
A praia da frente pra casa da vó
Eu queria surfar. Então vamo nessa: a praia ideal que eu idealizo no caso particularizado de minha pessoa, em primeiramente, seria de frente para a casa da vó, com vista para o meu quarto. Ia ter uma plantaçãozinha de água de coco e, invés de chão ser de areia, eu botava uns gramadão presidente. Assim eu, o Zé e os cara não fica grudando quando vai dar os rolê de Corcel 1! Na minha praia dos meus sonhos, ia rolar vááárias vós e uma pá de tia Anastácia fazendo umas merenda nervosa! Uns sorvetão sarado! Uns mingauzão federal! Umas vitaminas servida! X-tudo! X-Calabresa Cebola Frita! Xister Mc Tony’s e gemada à vontade pros brother e pras neneca! Tudo de grátis! As minas, exclusive, ia idrolatar surfistas chamados Peterson Ronaldo Foca (conhecidentemente como no caso da figura particularizada da minha pessoa, por exemplo). Pra ganhar as deusa, o xaveco campeão seria… o meu: “E aís, Nina (feminina)? Qual teu C.E.P? Tua tia já teve catapora? E teu tio? E tua avó? Uhu!! Já ganhei!!” E se ela falasse: “Vai procurar a tua turma”, minha turma estaria bem do meu lado, pra eu não ficar procurando muito!
Exclusive, eu queria surfar, mas na praia ideal dos meus sonho (aquela que eu desacreditei, rachei o bico e falei “nooossa!”) não haveriam tubarães. (Haveriam porque é vários tubarães!). A “Eu, o Zé e os Cara, Paneleiros and Friends Association” ia carregar o colocamento de placas aleatórias com os dizeres: “Sai fora, tubarão! Cê num sabe quem cê é!”. E os bicho ia dar área rapidinho! Cê acha, jovem?! Nóis num quer ficar que nem um colega meu, O Cachorrão, da Associação dos Surfistas de Pernambuco, umas entidade sem pé nem cabeça! Então vamo nessa: na praia dos sonhos que eu falei “É o sooonho!”, teria menas água salgada! (Menas porque água é feminina!) Eu ia conseguir ficar em pé na minha triquilha tigrada, sair do back side, subir no lip, trabalhar a espuma, iiihaa!! Meus pés ia grudar na parafina e eu ia ficar só lá: dropando os tubos e fazendo pose pras tiete, dando umas piscada de rabo de olho e rasgando umas onda de 30 metros (tudo bem, vai! Um metro e meio…). Mesmo sem abrir a boca, eu ia ser o centro das atençães e os repórter ia me focalizar com neon, luz estetoscópica robotizada e uns show de raio lazer!! De 18 concorrentes, eu ia sagrar décimo sétimo, porque um esqueceu a prancha. (Tamém, o cara marcou!) E as mina só lá: “Uhu!! Foca é animal!! Focaliza o Foca!! O cara é o próprio galã de Óliud!”.
Exclusivamente, eu queria surfar, daí os carinha da República me pediram pra falar na revista, a vó tirou um pelo de mim: “Cê nunca vai falar na revista, Peterson Ronaldo!” Daí eu falei: “Artigo?? Eu? É comigo? Tá limpo!”. Eu já apareço no rádio! Porque eu não posso falar na revista?! Então vamo nessa de novo: eu queria pensar, mas eu nem tô ligado nesses lance de utopia… Dormir na pia… Supermetropia! Esses lance aí quem pensa é o Zé! Eu queria escrever! Em súmula: eu parei de pensar, agora eu só surfo! Consequentemente, Peterson Foca.
Peterson Foca, personagem “cult” de Sobrinhos do Ataíde, programa que revolucionou o humorismo do rádio brasileiro. O programa Sobrinhos do Ataíde, criação de Felipe Xavier, Marco Bianchi e Paulo Bonfá, era veiculado pela rádio 89,1 FM de São Paulo.
República. Ano 1, n. 2.
Como você pode notar, a partir das informações dadas sobre o texto acima, a personagem Peterson Foca é um trabalho de criação baseado numa representação, feita pelos Sobrinhos do Ataíde, de um determinado tipo de surfista cujo uso da linguagem provoca o riso. O texto é, portanto, um exemplo interessante de manipulação da linguagem com o objetivo de provocar um efeito de sentido especial: o humor.
2. Identifique, no texto, os trechos em que a própria personagem, Peterson Foca, faz observações sobre a linguagem que usa. O que os autores do texto pretendem sugerir com essas observações?
3. De que recursos formais valem-se os autores para provocar, no leitor, o efeito humorístico pretendido?
4. Existem três momentos em que os autores procuram representar na escrita características fônicas (relativas aos sons) que os enunciados adquirem em certos contextos. Transcreva os enunciados em que isso ocorre e explique o que os autores procuraram representar com o recurso utilizado.
5. Com base no que estudou sobre a relação entre a fala e a escrita, identifique um equívoco nas informações apresentadas no texto a seguir.
Algo mais
Já está provado, desde a década de 70, que, embora os bebês só comecem a falar por volta dos 12 meses, desde os quatro dias de idade já são capazes de distinguir as sílabas, ou, melhor dizendo, os sons correspondentes a sílabas, chamados fonemas.
Superinteressante. São Paulo: Abril, ed. 153, jun. 2002. (Fragmento).
► Transcreva o trecho em que o equívoco linguístico ocorre.
► Explique em que consiste tal equívoco.
Gabarito dos exercícios
1. Recursos da modalidade escrita: o uso de sequências de adjetivos (“selvagem livre”), de adjetivos antepostos aos substantivos (“aquele velho sonho”) e de expressões típicas da escrita, (“chegou à seguinte conclusão”). Recursos da modalidade oral: o uso frequente da conjunção coordenativa “mas” com a mera função de ligar enunciados (4 ocorrências no texto); o uso de “aí”, com a mesma função.
2. “Não haveriam tubarães. (haveriam porque é vários tubarães!)” e “… teria menas água salgada! (menas porque água é feminina!)”.
Essas observações indicam que os autores do texto têm consciência da frequência com que se manifestam, na fala e também em determinados textos escritos, esses erros de concordância verbal e nominal (O correto, do ponto de vista da norma, seria “não haveria tubarões” e”… teria menos água salgada!”). Com as observações como essas, os autores do texto procuram chamar ainda mais a atenção do leitor para os erros gramaticais que atribuem à personagem, pois estão utilizando também esses erros para provocar o efeito humorístico.
3. De transgressões das regras de concordância nominal e verbal (“os cara não fica grudando”, “na praia ideal dos meu sonho”, “meus pés ia grudar”) e de formação de plural (“tubarães”, “atençães”). Utilizam-se também de recursos lexicais (gírias usadas por esse tipo de surfista).
4. Os enunciados são:”… ia rolar vááárias vós…”, “noooossa!” e “É o sooonho!”. Com esse recurso os autores procuraram representar os alongamentos de algumas vogais que ocorrem frequentemente na fala, para dar ênfase a certos enunciados.
5. ► O trecho que apresenta um equívoco linguístico é:”… distinguir as sílabas, ou, melhor dizendo, os sons correspondentes a sílabas, chamados fonemas.”
► O equívoco linguístico está em afirmar que as sílabas são fonemas. Os fonemas são unidades de som menores que as sílabas. Só é possível verificar uma equivalência entre fonema e sílaba quando esta corresponder a uma vogal; caso contrário, teremos mais de um fonema em uma única sílaba.