Exercício com gabarito sobre dissertação

Aprender a escrever é, em grande parte, se não principalmente, aprender a pensar, aprender a encontrar ideias e a concatená-las, pois, assim como não é possível dar o que não se tem, não se pode transmitir o que a mente não criou ou não aprovisionou.

Quando os professores nos limitamos a dar aos alunos temas para redação sem lhes sugerirmos roteiros ou rumos para fontes de ideias, sem, por assim dizer, lhes “fertilizarmos” a mente, o resultado é quase sempre desanimador […] Não podiam dar o que não tinham, mesmo que dispusessem de palavras-palavras, quer dizer, palavras de dicionário, e de noções razoáveis sobre a estrutura da frase.

É que palavras não criam ideias; estas, se existem, é que, forçosamente, acabam corporificando–se naquelas, desde que se aprenda como associá-las e concatená-las, fundindo-as em moldes frasais adequados.

Quando o estudante tem algo a dizer, porque pensou, e pensou com clareza, sua expressão é geralmente satisfatória.

Dita essas coisas, vamos aos exercícios de interpretação que nos ajudarão a entender melhor as características do texto dissertativo.


Quem quer fazer um bom texto precisa, antes, aprender a identificar as informações corretas a serem usadas para defender a tese que será apresentada no texto.

Exercícios para estudar dissertação

A grande lição do grande irmão

Explode no mundo a violência: terror, sequestro, assaltos, assassinatos, corrupção, tortura, humilhação, fome, dor, violência disseminada, compartilhada, globalizada. Enquanto isso, nas TVs de todo o mundo, busca-se emoldurar a realidade a partir de uma visão fortemente dominada pela “dança” dos índices de audiência. Pelo menos esta é a justificativa para a repetição incessante de fórmulas e clichês desgastados, que sempre voltam apresentados como novidade pelos programadores e concessionários das várias redes de TV
A moldura preferida no momento é o reality show, formato que chegou em nossa casa após ganhar fama internacional. Batizado com nomes sugestivos como Big Brother, Casa dos Artistas e No Limite, o reality show oferece como produto básico satisfazer o desejo dos telespectadores com cenas de exibicionismo e autoflagelo (sic). Some-se a isto a capacidade do participante ao eliminar seus adversários da competição e, consequentemente, ter sua grande chance de experimentar mais do que os quinze minutos de fama já conquistados.
Ora, que tipo de realidade é esta em que o excitante é ver o outro em situações muitas vezes constrangedoras, como ir ao banheiro diante de câmeras ou “pedir a cabeça” de uma pessoa por quem se criou afeição? Por estranho que possa parecer, a lógica dessa (re)criação remete à das lutas entre os gladiadores na Roma antiga, uma espécie de gameshow onde os participantes eram guiados por duas necessidades básicas: eliminar o adversário e exibir-se para saciar uma plateia ávida por emoções baratas e bizarras. Tanto na arena de ontem, quanto na telinha de hoje, o vencedor continua sendo aquele que consegue eliminar seus adversários mais rapidamente; e o público segue experimentando o prazer de ver o sofrimento alheio, seja com o sangue que outrora jorrava da espada, seja com a superexposição, a delação e outros ingredientes resultantes dos mais baixos sentimentos, nessa modalidade pós-moderna de combate entre iguais.
Parece que o grande irmão de Orwell¹, aquele que, na contramão dos atuais Big Brothers, suscitou tanta discussão sobre nossos medos em relação à invasão da privacidade, pode nos permitir compreender mais da realidade atual do que inspirar a luta pela audiência na TV
Afinal, enquanto seguimos negando às crianças e jovens conteúdo alternativo à sórdida e fétida fórmula baseada em sexo e violência na TV, estaremos condenados a produzir sujeitos hedonistas², reféns do consumismo e capazes de atitudes de total alheamento em relação ao outro.
Doravante, quando na hora do almoço ou jantar os jornais nacionais exibirem sem pudor nossos cadáveres, seria prudente pensarmos noutra lição deixada por Orwell: sim, é possível escapar das armadilhas do grande irmão. Caso contrário, corremos o risco de, no próximo capítulo do nosso reality show particular, sermos os protagonistas das cenas de violência que a TV expõe diariamente e que, por enquanto, tocam apenas momentaneamente nossos sentimentos, pois, afinal, dizem respeito somente aos outros.
Quanto ao possível engajamento da TV no tão falado esforço pela paz mundial, não basta meia dúzia de filmetes de 15 segundos ou dúzia e meia de “artistas” com sorriso de creme dental pronunciando palavras insossas. Talvez o que ninguém da TV ousa dizer é que esse movimento depende de outros fatores. Primeiro, do discernimento dos patrocinadores que, por hora, fomentam tudo que é produzido e cheire a pontos na audiência; segundo, dos criadores que têm buscado reinventar em muitos programas as relações humanas tendo como base a intriga, a trapaça, a traição, a superexposição da intimidade. E, finalmente, do público que, infelizmente, seja por falta de opção ou por preferência, depois de secar as lágrimas sobre o sangue derramado do último sequestrado, do último assassinado […], da última vítima do terrorista-bomba, do último bebê morto por desnutrição, não cansa de aplaudir as novas arenas e nossos quase modernos gladiadores.

¹ Referência ao Grande Irmão do livro 1984, de George Orwell.
² Hedonista: seguidor do hedonismo. Hedonismo, segundo definição do Dicionário Aurélio: século XXI, é a doutrina que considera que o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral.

1. O texto acima caracteriza-se como argumentativo. Considerando que nesse tipo de texto predomina a defesa de uma ideia (uma tese), de um ponto de vista, e que essa ideia é, via de regra, apresentada logo no primeiro parágrafo, qual seria a ideia central do texto?

2. Ainda em relação ao primeiro parágrafo:

a) Os autores exploram uma oposição. Qual seria? Que palavra ou expressão introduz essa oposição?

b) Em “Pelo menos esta é a justificativa […]”, o pronome esta retoma que ideia?

3. Se no primeiro parágrafo temos uma tese generalizada, no segundo essa mesma tese é particularizada. Como se dá essa particularização?

4. Num texto em que se defende um ponto de vista, a argumentação é fundamental, uma vez que apresenta fundamentos para sustentar a tese. Entre os argumentos utilizados no texto, um chama a atenção: os autores buscam semelhança entre a programação atual das TVs e algo antigo que, visto a distância, nos causa repugnância e indignação. Mencione alguns aspectos dessa semelhança.

5. Certas palavras são fundamentais para estabelecer relações entre segmentos do texto argumentativo, estabelecendo entre eles significados. São os conectivos (notadamente as conjunções) e outras palavras que, dependendo do contexto, não se enquadram em nenhuma das dez categorias gramaticais (são classificadas como palavras denotativas: até, mesmo, também, então etc).

Aponte, no texto, o emprego de algumas dessas palavras.

6. Nos textos argumentativos é muito comum o autor assumir uma “postura de filósofo”, ou seja, de indagação sobre tudo. As perguntas, além de ajudarem na estruturação do texto, funcionam como prováveis questionamentos de um virtual interlocutor ou como recurso para inserir determinado argumento (na verdade, servem para organizar o nosso pensamento, estimular nossas reflexões).

Aponte, no texto, um recurso desse tipo. Ele é utilizado como possível questionamento ou para introduzir um argumento?

7. Os dois últimos parágrafos (introduzidos pelo advérbio doravante, ou seja, “de agora em diante”, “para o futuro”) representam uma mudança em relação aos parágrafos anteriores. Comente a nova linha de raciocínio apresentada neles.

Gabarito dos exercícios

Antes de começarmos , é importante dizer que a palavra auto-flagelo não está dicionarizada. Mantivemos a forma como foi grafada no texto originai. O equivalente dicionarizado seria autoflagelação.

1. As TVs de todo o mundo buscam emoldurar a realidade a partir de uma visão fortemente dominada pelos índices de audiência.

2.
a) O primeiro período mostra a realidade nua e crua, a partir de suas facetas mais cruéis: a violência. O segundo período nos mostra a realidade emoldurada, ou seja, a realidade transformada e apresentada no quadrilátero da telinha de TV. A expressão “enquanto isso” introduz a oposição. Além disso, há a oposição fórmulas e clichês desgastados/novidades.

b) “[…] uma visão fortemente dominada pela ‘dança’ dos índices de audiência.”, ou seja, os índices de audiência justificam a retomada de velhas fórmulas e clichês desgastados.

3. No primeiro parágrafo o texto fala que “nas TVs de todo o mundo, busca-se emoldurar a realidade” (portanto, uma tese generalizada); no segundo parágrafo, dando a entender que as molduras são variáveis, comenta-se a moldura do momento, ou seja, os reality shows.

4. Os autores aproximam os reality shows das lutas entre gladiadores da Roma antiga. Dois aspectos são destacados: exibir-se para saciar uma plateia ávida por emoções baratas e bizarras e a necessidade de eliminar o adversário.

É importante destacar que, na Roma antiga, por mais que o público gritasse, ovacionasse, pedisse um ou outro lutador, a palavra final era de César, que fazia o sinal com o polegar para cima ou para baixo (símbolo maior do poder de um César: o poder de vida e de morte). Já nos reality shows, em que temos a eliminação física de um concorrente (o eliminado sempre abandona um determinado espaço físico), o poder de excluir um ou outro cabe tanto aos concorrentes como ao público, todos transformados em Césares na realidade emoldurada.

5. “Pelo menos” (primeiro parágrafo); “ora” (abrindo o terceiro parágrafo); “afinal” (abrindo o sétimo parágrafo).

6. O terceiro parágrafo inicia-se por uma pergunta, que serve para introduzir uma argumentação (Vale notar o papel relevante da conjunção ora, que já denuncia o posicionamento do falante).

7. Os dois últimos parágrafos lançam perspectivas sobre o que fazer para mudar o jogo (ou: como escapar das armadilhas do Grande Irmão). Os autores negam as falsas soluções (artistas sorrindo e falando palavras de ordem vazias) e discutem que as verdadeiras soluções passam por nova postura de anunciantes, programadores e público.