Aprenda mais sobre elementos da narrativa

No artigo anterior, descobrimos que a palavra personagem é um substantivo comum-de-dois e que tanto faz escrever “O” personagem ou ”A” que estará certo. Ressalvo apenas que, escolhida uma das formas, mantenha-se a uniformidade ao longo do texto. Dentro do mesmo assunto, hoje relembraremos quais são os elementos da narrativa na produção de texto. Falarei, comentando, sobre cada um deles.

Neste artigo, estudaremos os chamados componentes narrativas: personagens, tempo, espaço e ação. É importante que você saiba que, além de estudarmos como construir com eficácia um texto narrativo, estamos também organizando os nossos conhecimentos para entendermos melhor os textos literários que são indicados para leitura nos vestibulares.
Sabemos que uma narrativa e composta por personagens que mobilizam a ação e outras que funcionam como coadjuvantes. Cada uma delas possui uma tipicidade e atua, na esfera da narração, dentro de determinados parâmetros. Há personagens planas, redondas, tipos, caracteres, símbolos. Todas contribuem para que a historia que se lê ou se escreve torne-se mais interessante.
O tempo e o espaço também são componentes importantes e ajudam a dar credibilidade ao que escrevemos. Esta “credibilidade”, esta reinvenção tem que se aproximar o máximo da realidade. Só assim será possível contar histórias, fazer nascer um mundo que não e real, mas que o imita, recria.
Quando escrevemos, somos mesmo uma espécie de deus: fazemos nascer vidas assemelhadas as nossas. Escrever deve ser sempre visto como possibilidade singular de criação e não ha nenhuma civilização que tenha prescindido das narrativas, posto que elas acompanham a história do homem em todos os tempos.
Com elas, alimentamos sonhos, nutrimos o espaço da inventividade e da nossa capacidade de instigar, no outro, a descoberta de que tudo e possível,

“A personagem deve dar a impressão de que vive, de que e como um ser vivo.”

(Antônio Cândido, A personagem de ficção, Editora Perspectivo)

Personagem

“Designa, no interior da prosa literária (conto, novela ou romance) e do teatro, os seres fictícios construídos a imagem e semelhança dos seres humanos: se estes são pessoas reais, aqueles são “pessoas” imaginárias; se os primeiros habitam o mundo que nos cerca, os outros movem-se no espago arquitetado pela fantasia do prosador. ”
(Dicionário de Termos Literários – M. Moises – Ed. Cultrix)

Segundo E.M. Forster, podem classificar as personagens em:

1. Planas (lineares)

Constituídas de uma única ideia ou qualidade; carecem de profundidade. A personalidade delas e pobre, repetitiva; são previsíveis quanto ao seu comportamento, infensas a evolução. Jamais nos surpreenderão durante ou ao final da narrativa. Podem ser subdivididas em:

a)  Tipos

São personagens típicas, de contornos e características peculiares e, exatamente por isso, eternizam-se: quem se esqueceria de Sancho Pança, em D. Quixote? Comadres fofoqueiras, homossexuais, padres, nos romances, fazem parte deste rol de personagens.

b)  Caricaturas

São personagens que tem distorções propositais, a fim de ensejar o cômico, o ridículo, o satírico: D. Patrocínio das Neves, a “Titi” do livro A Relíquia, de Eça de Queiros.

2. Redondas

São complexas, bem acabadas interiormente, repelem todo o intuito de simplificação. São também chamadas de multiformes, e nos surpreenderão porque evoluem na narrativa. Dinâmicas e tridimensionais, podem ser subdivididas em:

a) Caracteres

São personagens cuja complexidade se acentua, gerando conflitos insolúveis: e o caso das personagens clássicas gregas: Edipo Rei, Prometeu, Medeia.

b) Símbolos

São personagens que parecem ultrapassar a barreira do mero humano, transcendem. Ostentam profundidade psicológica e multiplicidade de ações: Diadorim, de Grande Sertão: Veredas, Ulisses, da epopeia grega A Odisseia, de Homero.
Estas personagens, imprevisíveis em suas atitudes, rompem com a linearidade e nos provocam impactos com suas ações: Medeia, que mata os filhos, apesar de ama-los, para vingar-se do marido que a trocara por outra mulher; Édipo, que, após ter descoberto sua verdadeira origem, conclama a multidão e fura os olhos na frente do povo; Prometeu, que furta o fogo sagrado dos deuses e alia-se aos mortais e andróginos, castigado, amarrado ao Cáucaso, com uma águia a lhe devorar todos os dias o fígado que cresce sem parar. As personagens podem ser caracterizadas física ou psicologicamente, ou ainda, de ambas as maneiras simultaneamente.

Quanta a atuação no enredo:

Esta classificação não segue a concepção do teórico E. M. Forster.

Principais e secundárias

A referência serve para designar que as principais cabe sustentar, como eixo, todos os fatos inerentes a narrativa. As secundárias cabe dar suporte a continuidade da história, intermediando as ações e girando ao redor das principais como seres complementares.

a) Protagonistas

As que encabeçam as ações, sustentam o eixo narrativo. O mesmo que principais. Leonardo (filho) em Memórias de um sargento de milícias e bom exemplo disso.

b) Antagonistas

Designação atual para o antigo vilão. Cabe a elas impedir, dificultar, atormentar a “vida” das personagens protagonistas. Como observação, seria bom lembrar que as antagonistas não precisam ser propriamente pessoas; as vezes, são representadas por sentimentos, grupos sociais, peculiaridades de ordem física, psicológica ou social dos indivíduos e ate podem representar instituições. Suponhamos que você tenha uma historia onde dois indivíduos do mesmo sexo se amem e queiram casar. O antagonista será o Estado, a sociedade, a Constituição que os impedira de concretizarem seus desejos.

c)  Coadjuvantes

O mesmo que secundárias. Co-auxiliam no desenvolvimento da história.

Tempo

Para o crítico Massaud Moises, o “tempo, no romance, provavelmente constitua o ingrediente mais complexo e o mais relevante: de certo modo, tudo no romance forceja por transformar-se em tempo, que seria, em última instância, o escopo magno do romancista. Mais do que escrever uma história, mostrar cenários, criar personagens, o seu objetivo consistiria na criação de um tempo e da sua fixação, dentro das coordenadas de um livro. Senhor absoluto do tempo, o ficcionista pode acompanhar as personagens durante toda a sua existência.” O critico ressalta, ainda, que dois tipos de tempo podem ser considerados numa narrativa:

Histórico (cronológico)

Chamado também de linear, diacrônico, e mensurável e segue a organização do dia-a-dia. Tem o ritmo do calendário ou do relógio e pode, muitas vezes, ser apontado por situações adverbiais: a noite, naquela manha, no outono de 1997. Outros índices temporais podem ser levados em consideração: durante a adolescência, por um instante.

Psicológico (interior ou pessoal)

Decorre “dentro” das criaturas. E sempre imaterial, não mensurável, particular. A única maneira de medi-lo e através das associações com a duração dos sentimentos. Não e o tempo dos meses, relógios, calendários. E o tempo do ser.
Exemplo do cotidiano: Você marca um encontro, o primeiro, com quem ama, às 7 da noite. Às cinco em ponto você já tomou banho, escolheu a roupa. Olha o relógio que não move os ponteiros. Estas duas horas que separam vocês serão infinitamente longas, embora o tempo real tenha sido marcado nos relógios de maneira idêntica a todas as horas.
Um outro exemplo: sentado(a) na carteira do vestibular, com a aflição das inúmeras questões pela frente, seu relógio “voa”, quatro horas são céleres demais. E o tempo psicológico, interior.

Espaço

Nenhuma personagem, em qualquer tipo de narrativa, esta solta no espaço. A espacialidade existe sob a forma de ambiente onde se insiram as personagens. E numa classificação simplista, podem ser qualificados de abertos (o campo, uma praga) e fechados (uma casa, um cômodo, uma sala).
Os espaços, muitas vezes, singularizam as criaturas. Veja o exemplo de Bento Santiago, em Dom Casmurro, que mandou reconstruir a casa de sua infância; ou observe um romântico como Alencar descrevendo “os mares bravios”, as praias do Ceará, a pequena floresta onde encontramos Iracema pela primeira vez, no livro homônimo.
Em A Relíquia, o narrador cria para a “Titi” um espaço fechado, escuro e terrível dos fanáticos religiosos. A descrição do oratório, cheio de santos, incensos, toalhas bordadas e um Cristo crucificado; a sala imponente e sombria… Leve, ainda, em consideração o espaço criado por Jose Lins do Rego, em Fogo Morto: na região do Pilar, ele indica a decadência de um Nordeste antigo e latifundiário usando como símbolo de uma estrada de terra batida, caminho que vai para todos os lugares e traz todas as criaturas e seus sofrimentos.
O espaço e vital para a construção de boas histórias. Menos que um pano de fundo, e indicador de características humanas: O “Paraíso”, em O Primo Basílio mostra o caráter das relações entre Basílio e Luísa, assusta-a pelo feio, sujo, quando esperava o belo e romântico lugar para encontrar-se com o amante.
Em O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e antes uma personagem, ganha corpo, e antropomorfizado, assemelha-se as criaturas. Da mesma forma que a natureza em O Guarani, de Alencar, rompe as barreiras de simples pano de fundo para as ações e passa a ocupar status de personagem grandiosa.

Tipologia de Espaços

Físicos

São espaços “verdadeiros”, ambientes criados pelo narrador para contextualizar suas personagens: e o cenário. No Romantismo, por exemplo, e meramente decorativo; no Realismo, em contrapartida, faz parte indissociável das características mais profundas da personagem: decifra suas características ou, então, indica, através do Determinismo, que o homem e produto do meio em que vive.

Psicológicos

Muitas vezes, o espaço e meramente interior e reflete estados psicológicos. Principalmente nas narrativas intimistas, a espacialidade tem acento nitidamente psíquico e aponta os estados de alma das personagens.
Tomando como exemplo Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector, a personagem Joana ira embora no final da narrativa. Em espago aberto, pelo mar, procurara o “coração selvagem da vida”, lugar desconhecido, mas intuído ou sonhado.

Ainda não entendeu o que e espaço psicológico? Vamos lá!

Você, suponhamos, recebera um diploma, um prêmio. Está nervoso, inquieto. Chamam seu nome, há centenas de pessoas olhando para você que… atravessa a pista de dança de um clube qualquer e dirige-se a mesa principal para ser premiado, diplomado. O trajeto até a mesa será imenso, quilométrico. Quando olhado numa outra ocasião, parecera muito menor do que aquele que você, inquieto e nervoso, atravessou com o coração saltando pela boca. Entendeu agora?
Muito cuidado para não confundir ação com enredo, história ou argumento narrativos. Podemos definir ação como uma sequência de acontecimentos na narração e, como se encadeiam numa ordem natural de causa e efeito, acabam por formar o todo de que se alimenta a história.
Dessa forma, um conjunto de ações feitas ou recebidas pelas personagens, encadeadas entre si, geram o enredo.
Horácio, poeta latino, observava que a ação, juntamente com o tempo e o espaço, formava o que conhecemos como a “lei das três unidades” que qualquer narrativa jamais pode dispensar para ser digna de crédito.
A sequência das ações narrativas desenvolve-se no tempo, não se esqueça disso; e um conjunto de fatos; no entanto, e preciso observar que esta sequência de fatos nem sempre implica uma ação. Para que isso aconteça, e preciso que tais fatos estejam “amarrados” entre si, que formem um todo a que podemos chamar, então, de enredo.
Quando se escreve, não podemos deixar ao longo das narrativas que produzimos “fios soltos”. Eles devem ser “amarrados” entre si, produzindo o que chamamos de coerência interna. Mais do que descrever fatos, precisamos prestar atenção e produzir situações que se encadeiem, originando dai o todo narrativo, o conjunto de circunstancias acionais que gerem uma historia na qual se creia.
Como você pode perceber, as ações implicam também verossimilhança e dão unidade e sentido a sua narração ou a qualquer texto que conte uma história.