Os turnos de fala nos textos narrativos

Anteriormente, comentamos que uma conversa se organiza em falas alternadas, chamadas turnos. Cada vez que um falante toma a palavra, inicia-se um turno; sem essa alternância, há monólogo e não diálogo. Os interlocutores normalmente aproveitam um silêncio, uma pausa, uma hesitação na fala do outro para tomar a palavra. Às vezes, o falante emprega determinadas palavras para “roubar” o turno do outro; em outras, quem está com a palavra indica o próximo falante (nesse caso, os vocativos desempenham papel fundamental).

–>> Veja aqui o artigo anterior sobre este assunto.

Os turnos de fala são organizados sequencialmente, um depois do outro (se os interlocutores falarem ao mesmo tempo, o diálogo fica comprometido), mas quem fala, quando e por quanto tempo é uma negociação, e esse é um dos aspectos mais interessantes da conversação.

Observe o seguinte fragmento de diálogo:

falante A: – Considero isso uma temeridade… um perigo que…
falante B: – Sim, mas… é preciso entender os dois lados da questão, não é?


O falante A teve seu turno de fala “roubado”; o falante B faz uso de uma estratégia muito comum: inicia sua fala com uma suposta concordância (“Sim”), imediatamente seguida de uma conjunção adversativa (“mas”) para contestar. Ao final de sua fala, o falante B passa o turno para o falante A usando a expressão interrogativa “não é?” (que pressupõe uma concordância explícita).

Num diálogo informal, é comum a conversação se iniciar com afirmações ‘óbvias, consensuais (“- Tudo bem?” / “- Tudo… e você?” / “- Que calorzão, hem?” / “- É… está insuportável!!”). São regras do jogo, da negociação, da “interação”.

Nos textos literários, em diálogos dos personagens, é comum os autores buscarem reproduzir um discurso espontâneo e utilizarem expressões típicas da fala. Para imitar uma conversação real, costumam-se usar determinadas estratégias.

Leia este trecho da crônica conversas de bar.

Tudo que o Mafra dizia o Tarol duvidava. Eram inseparáveis, mas viviam brigando. O Mafra contava histórias fantásticas e o Tarol fazia aquela cara de conta outra.
– Uma vez …
– Lá vem história.
– Eu nem comecei e você já está duvidando?
– Duvidando não. Eu não acredito mesmo.
– Mas eu nem contei ainda?
– Então conta.
– Uma vez eu fui num baile só de pernetas e…
– Eu não disse? Eu não disse?

VERÍSSIMO, Luis Fernando. Conversas de bar. In: Comédias da vida privada: 101 crónicas escolhidas. Porto Alegre: L&PM, 1995. p. 275-6.

Proposta de atividade em grupo

Em grupos, troquem ideias para descobrir:

a) que recursos foram utilizados para reproduzir a sequência dinâmica de falas.
b) que recursos foram utilizados para reproduzir as entonações típicas da fala.
c) a forma como o autor determinou a troca de turnos.
d) a forma como o autor reproduziu a negociação entre o locutor e o interlocutor.
e) o efeito obtido com esses recursos.