Exercícios sobre Barroco – Questões com gabarito
No último artigo de Literatura direcionado para o Enem, falei sobre o período literário denominado Barroco. Lá eu dei 10 exercícios com gabarito para quem deseja se reparar adequadamente para a prova que exige não apenas conhecimentos relacionados a datas, características dos autores ou mesmo do período. A prova do Enem usa os textos literários para perguntas relacionadas à linguagem e até mesmo à interpretação de textos. Bem, vamos aos exercícios.
Questões com gabarito
Leia o texto a seguir para responder às questões.
Sermão do Espírito Santo
Repreendeu Cristo aos discípulos da incredulidade e dureza de coração, com que não tinham dado crédito aos que o viram ressuscitado; e sobre esta repreensão os mandou que fossem pregar por todo o mundo. A São Pedro coube-lhe Roma e Itália; a São João, a Ásia Menor; a São Tiago, Espanha; a São Mateus, Etiópia; a São Simão, Mesopotâmia; a São Judas Tadeu, o Egito; aos outros, outras províncias; e finalmente, a Santo Tomé, esta parte da América, em que estamos […]. Agora pergunto eu: e por que nesta repartição coube o Brasil a Santo Tomé, e não a outro apóstolo? Ouvi a razão.
[…] Santo Tomé entre todos os apóstolos foi o mais culpado da incredulidade, por isso a Santo Tomé lhe coube, na repartição do Mundo, a missão do Brasil; porque onde fora maior a culpa, era justo que fosse mais pesada a penitência.
[…] Quando os portugueses descobriram o Brasil, acharam as pegadas de Santo Tomé estampadas em uma pedra que hoje se vê nas praias da Bahia; mas rasto, nem memória da fé que pregou Santo Tomé, nenhum acharam nos homens. […] Nas pedras acharam-se rastos do pregador, na gente não se achou rasto da pregação; as pedras conservaram memórias do apóstolo, os corações não conservaram memória da doutrina.
Vieira, Padre Antonio. Sermões. São Paulo: Cultrix, 1995. (Fragmento).
1. O texto de Vieira trata de uma questão muito debatida entre os religiosos desde o início da colonização brasileira: a catequização dos indígenas.
a. Como era, de acordo com o conhecimento geral que temos sobre esse tema, o trabalho de evangelização dos indígenas?
b. Eles entregavam-se facilmente à fé cristã?
2. O fato de São Tomé ter sido designado, segundo Vieira, como o apóstolo responsável pela evangelização dos índios brasileiros se deve a quê?
3. Pensando nas informações dos relatos de viagens (século XVI), que tratavam dos primórdios da terra brasileira, houve alguma mudança na relação entre os indígenas e a fé?
Leia o texto a seguir para responder às questões de 4 a 6.
Aos vícios
Eu sou aquele que os passados anos
Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.
E bem que os descantei bastantemente,
Canto segunda vez na mesma lira
O mesmo assunto em pletro diferente.
Já sinto que me inflama e que me inspira
Talia, que anjo é da minha guarda
Dês que Apolo mandou que me assistira.
[…]
Qual homem pode haver tão paciente,
Que, vendo o triste estado da Bahia,
Não chore, não suspire e não lamente?
Isto faz a discreta fantasia:
Discorre em um e outro desconcerto,
Condena o roubo, increpa a hipocrisia.
O néscio, o ignorante, o inexperto,
Que não elege o bom, nem mau reprova,
Por tudo passa deslumbrado e incerto.
E quando vê talvez na doce trova
Louvado o bem, e o mal vituperado,
A tudo faz focinho, e nada aprova.
Diz logo prudentaço e repousado:
Fulano é um satírico, é um louco,
De língua má, de coração danado.
Néscio, se disso entendes nada ou pouco,
Como mofas com riso e algazarras
Musas, que estimo ter, quando as invoco?
Se souberas falar, também falaras,
Também satirizaras, se souberas,
E se foras poeta, poetizaras.
A ignorância dos homens destas eras
Sisudos faz ser uns, outros prudentes,
Que a mudez canoniza bestas feras.
Há bons, por não poder ser insolentes,
Outros há comedidos de medrosos,
Não mordem outros não, por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos,
E deixam de atirar sua pedrada,
De sua mesma telha receosos?
Uma só natureza nos foi dada;
Não criou Deus os naturais diversos;
Um só Adão criou, e esse de nada.
Todos somos ruins, todos perversos,
Só nos distingue o vício e a virtude,
De que uns são comensais, outros adversos.
Quem maior a tiver, do que eu ter pude,
Esse só me censure, esse me note,
Calem se os mais, chiton, e haja saúde.
MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 1997. (Fragmento).
– Escantar: cantar acompanhado de um instrumento (nota do editor).
– Pletro: pena, palheta usada pela vibrar as cordas do instrumento; fig., modo, tom (nota do editor).
– Talia: musa da comédia.
– Increpa: repreender, censurar.
– Chiton: do francês Chut donc: silêncio (nota do editor), literalmente “cale-se, então”.
– Haja saúde: fórmula de despedida, muito usada na literatura latina (nota do editor).
4. O poema transcrito pertence a Gregório de Matos. A própria temática do texto encarrega-se de explicar a alcunha que o poeta teria recebido de “Boca do inferno”. Qual o motivo do apelido? Justifique com versos do poema.
5. Segundo o eu lírico, todos têm, em seu íntimo, o desejo de criticar os erros e vícios dos outros, mas não o fazem pelas mais diversas razões. Aponte no poema algumas delas.
6. Nas últimas estrofes o eu lírico diz aceitar as críticas, porém, somente aquelas feitas por pessoas de boa índole, virtuosas. Aponte os versos em que isso fica claro.
Gabarito dos exercícios sobre Barroco
1. a. O trabalho de evangelização dos indígenas era bastante difícil.
b. Eles até aceitavam a fé cristã, mas logo dela desistiam e voltavam aos seus cultos próprios, sem demonstrar qualquer apego pela doutrina dos jesuítas.
2. De acordo com Vieira, por São Tomé ter sido o mais incrédulo de todos os apóstolos, cristo o designou para a mais difícil das missões de evangelização: a catequização dos índios da América.
3. A obra de padre Antonio Vieira data do século XVIII e, em comparação com o que narravam os jesuítas do início da colonização – século XVI -, nada mudou. os indígenas continuavam resistentes à doutrina cristã.
4. Muitos de seus poemas apresentavam críticas severas aos desmandos políticos e ao comportamento moral de muitas figuras conhecidas de sua época, daí a alcunha de “Boca do inferno”. no poema, já no primeiro verso, Gregório de Matos descreve-se e, de certo modo, explica a razão de seu apelido: “eu sou aquele, que os passados anos/cantei na minha lira maldizente/torpezas do Brasil, vícios e enganos”; e mais adiante: “diz o louco prudentaço e repousado:/Fulano [referindo-se provavelmente a si próprio] é um satírico, é um louco,/de língua má de coração danado.”
5. Segundo o eu lírico, muitos dos que não criticam as torpezas da sociedade não o fazem “por não poder ser insolentes”, ou são “comedidos de medrosos” e “não mordem outros não, por não ter dentes”, ou seja, por não terem capacidade para fazer críticas, ou ainda porque “deixam de atirar sua pedrada,/de sua mesma telha receosos”: não criticam os outros, por possuírem iguais vícios e temem ser por eles também criticados.
6. “Só nos distingue o vício e a virtude, […] Quem maior a tiver, do que eu ter pude,/esse só me censure, esse me note,/calem-se os demais”.